segunda-feira, 2 de agosto de 2004

Lendo Lolita em Teerã

Na República Islâmica pós-revolucionária, Azar Nafisi, até então professora de literatura inglesa, decide pedir demissão de seu cargo de docente na universidade. Motivo: numa nação em que mulheres não podem mostrar mechas de cabelo ou usar maquiagem, onde conversas, debates e até apertos de mãos passam pelo crivo da censura, ela acha que literatura combina apenas com liberdade.
Nafisi decide então pôr em prática um antigo sonho: reúne sete de suas melhores alunas para encontros semanais em sua casa, a fim de ensinar e discutir obras da literatura inglesa cuja leitura era proibida no país. São sete mulheres - ou oito, se contarmos com Nafisi - que não são muito íntimas e que possuem histórias pessoais diferentes umas das outras; algumas delas, aliás, precisam mentir para estarem ali, naquele encontro considerado subversivo.
Lolita, Madame Bovary, Orgulho e Preconceito são alguns dos títulos discutidos. Mas mais do que ensinar literatura, Nafisi deseja que suas alunas se deixem penetrar pela magia das palavras; que a ficção faça parte da vida delas e realmente influencie seus pensamentos, vontades e reflexões.
A beleza do livro é exatamente esta: mostrar, de forma poética, o que a crítica literária convencionou chamar de estética da recepção. O que isto quer dizer? Quer dizer que uma obra literária - ou, indo além, qualquer obra de arte - só tem importância a partir do significado dado a ela pelo leitor. É o que Umberto Eco chama de 'obra aberta': a literatura deixa vãos, que devem ser preenchidos pelos olhos - pensamentos, sensações- daquele que a lê. E, na vida daquelas sete mulheres, Nafisi tentou colocar as cores dos sonhos em seus quotidianos, habitualmente tão submissos a regras e represálias. Quando suas alunas chegam às aulas, elas certamente despem mais que seus véus.
A literatura existe para que nossos sonhos possam continuar vivos. Ou, nas palavras de Nafisi, a literatura é "uma possibilidade de liberdade ilimitada, quando todas as opções são negadas."

Lendo Lolita em Teerã - Azar Nafisi
Editora A Girafa