sexta-feira, 15 de abril de 2005

O dia mais estranho da minha vida

O dia havia começado normal como qualquer outro, nunca que eu poderia imaginar a reviravolta que ele ia dar. Mas é quando a gente menos espera mesmo que o destino resolve nos dar aquela sacudida só pra lembrar que é ele quem manda. Depois desse dia pra mim perdeu até a graça ver as aventuras do Jack Bauer, não acontece nada naquela série.
Segunda-feira, Tininha foi para o fundão normalmente pra dar duas aulas (Francês 1 e Francês 5) e assistir uma aula de mestrado à tarde. No intervalo entre as primeiras aulas ela ligou para a mãe perguntando o telefone do médico pra avisar que estava passando um pouco mal, com um pequeno incomodo no baixo ventre e um leve sangramento.
A Tininha queria apenas verificar se aquilo era normal, e se ela poderia lecionar a próxima aula sem problemas. A mãe dela saiu desesperada do trabalho, me avisou e avisou ao médico. Encontrei-as já no consultório do obstetra, ele muito tranqüilo disse que havia tido realmente uma ameaça de parto prematuro mas que estava tudo bem, prescreveu um remédio para inibir as contrações, repouso, um exame de urina e um ultra-som.
Saímos dali, eu e a Christine fomos fazer os exames pedidos e a mãe dela voltou para o trabalho. Demoramos e fomos mal atendidos no hospital pro exame de urina e demoramos mais ainda pra fazer o ultra-som num laboratório no Downtown. Só conseguimos voltar pra casa pra almoçar lá pelas 4 horas da tarde, o leve incomodo continuava e já estava aumentando.
A mãe dela tinha ficado de trazer o remédio pras contrações, só que ela ficou tranqüila no trabalho depois de falar com o médico. Ligamos pra ela com as contrações aumentando de intensidade e de velocidade.
As 5 e meia ela chegou e a Tininha tomou o remédio. O incomodo já era uma dor que ia e voltava com uns dois minutos de intervalo. Ficamos uma meia hora esperando o remédio fazer efeito, mas as contrações só aumentavam. Ligamos pro médico que falou pra gente ir pro hospital que lá eles aplicariam o remédio com soro na veia pra tentar reverter o quadro. No caminho pro hospital as contrações já vinham com força desesperadora.
7 e pouco chegamos lá. Fiquei com a Tininha esperando a médica de plantão na recepção enquanto os pais dela preenchiam formulário e pagavam a consulta. Depois de um tempo absurdamente longo chegou sem pressa nenhuma a médica. Mesmo já avisada pelo telefone por nosso obstetra e vendo a Tininha gemendo de dor, quando entramos no consultório ela perguntou calmamente enquanto preenchia um ficha qualquer: - E ai? Qual é o problema?
Depois da mãe dela esclarecer a situação, que só pra ela não era obvia, mando a tininha ir pra mesa de exames. Tive que ajuda-la porque ela não conseguia se movimentar direito. Estava eu já concluindo que as pessoas que menos tem compaixão pelo sofrimento humano são os médicos, quando a doutora depois de examiná-la, fala: - ih você devia ter vindo mais cedo viu? Já esta com três centímetros de dilatação.
Depois desse absurdo pensando o que poderia ficar pior, a medica pediu que a gente saísse do consultório porque tinha mais pacientes pra atender. Voltamos à sala de espera com a Tininha berrando, chorando e pedindo pelamordedeus que alguém fizesse a dor dela passar. Como se a situação não fosse absurda o bastante os pais dela tiveram que preencher novos formulários enquanto a gente esperava lá no meio.
Assim que conseguimos subir pro quarto, chegaram minha mãe, minha irmã, meu cunhado, a tia e o tio da Christine. Todos pra ouvir os gritos de exorcismo que ela estava fazendo. Graças a Deus a equipe do nosso médico chegou logo depois.
A Tininha implorava por uma anestesia e num ficou nada feliz com a noticia que num dava mais pra fazer uma cesaria. O muleque já estava na marca do gol, não tinha mais jeito. No caminho da sala de cirurgia me deixaram esperando numa salinha pra trocar de roupa, e o resto da família (a essas alturas já tinha se juntado os dois irmãos e a avó da Tininha, num total de 10 pessoas) esperava lá fora.
8 e meia, eu só ficava na salinha olhando pro relógio na parede, pra tv (estava passando o jornal nacional) e andando prum lado e pro outro esperando a autorização pra entrar na sala de cirurgia.
9 horas pude trocar a roupa mas ainda não pude entrar.
Quando fui finalmente autorizando a entrar, ouvi a Tininha dando aquele berro de filme, quando há um berrão mais longo e alto que os outros e finalmente um alivio no final. A porta da sala se abriu simultaneamente a Miguelito aparecer para o mundo chorando.
9 horas e 11 minutos, nasce Miguel Ferreira Azzi, 1.510 g, 45 cm, com exatamente sete meses de gestação, quando a lua passava da nova pra crescente.
Parecia um pequeno etêzinho, todo azul e coberto de gosma. Ainda lembro de pensar de quem da família ele teria puxado a pele azul. Corri pra falar com a Tininha e dizer que estava tudo bem. Ela não parava de fazer perguntas e de se preocupar com tudo. A pediatra levou o menino correndo pra incubadora pra frustração de toda a torcida do lado de fora.
Geralmente o que sempre se vê, é o lado bom e bonito de se ficar grávida e de ter um filho. Na verdade, como tudo na vida, é bom mas também é muito perrengue. Nos primeiros três meses os hormônios mudam tudo. A mulher fica mais sensível, se preocupa com a aparência que vai ficar, há os enjôos e os desconfortos. Depois o corpo vai se acostumando lentamente com os hormônios e a barriga vai aparecendo. Na medida em que ela cresce todas as posições se tornam desconfortáveis, deitada, sentada ou de pé, a grávida sofre com o calor, dormir bem torna-se impossível. Isso tudo fora os exames, as preocupações, as responsabilidades e tudo mais.
No momento em que vi minha mulher chorando de dor e não havia nada que pudesse fazer pra melhorar, eu me perguntei como é possível que as pessoas passarem por isso mais de uma vez na vida. É um tormento, é muita coisa pra se preocupar. Só depois que vi aquela pessoinha pequenina, que é a coisa mais esquisita do mundo mas que pros nossos olhos parece sempre a mais bela, só depois disso é que entendi o que faz as pessoas passarem por isso de novo, e de novo.